Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita
KLEIMAN, Ângela
(org). Os significados do letramento: uma
nova perspectiva sobre a prática social da escrita – Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995. 294 p.
O livro Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social
da escrita é uma coletânea de diversos
articulistas, organizada em quatro partes intituladas “O que é letramento?”, (na introdução);
“Os modelos de participação da oralidade no letramento”; “O não escolarizado na
sociedade letrada” e, por fim, o “Verso e reverso do analfabetismo”. Os
artigos que compõem cada parte desse livro abordam fatos e mitos sobre o
fenômeno do letramento, os quais são resultados de pesquisas realizadas no
Brasil por especialistas numa prática de escuta á diferentes grupos acerca de
suas maneiras de dar sentido/significado ao letramento, tais como: crianças,
líder sindical, moradores de determinadas comunidades, mulheres, professor,
aluno e, mídia (através de textos jornalísticos e publicitários).
Os textos tecem considerações sobre concepções de letramento, o modo de
participação da oralidade no letramento, as relações do sujeito não
escolarizado na sociedade “letrada” e a ideologia do letramento na mídia com
seus reflexos na identidade do não-escolarizado constituindo-se a partir das
“vozes” dos grupos supracitados. Fazendo uso de diversas metodologias e
subsídios teóricos e observando o significado dado por cada grupo, a obra apresenta
o olhar dos pesquisadores direcionados para a ideia do letramento como um
conjunto de práticas sociais que potencializam o cidadão letrado à lidar com
situações do cotidiano.
Essencial para compreender a obra, na primeira parte, destaca-se o artigo
Modelo de letramento e as práticas de alfabetização na escola”, de
Izabel Magalhães. Apresenta o conceito de letramento na Academia, o qual serve – segundo a pesquisa que
integra o interesse acadêmico - para separar o estudo sobre o impacto social da
escrita dos estudos sobre Alfabetização. Neste
capítulo a autora chama a atenção para a prática da Alfabetização, a qual é parte integrante do
letramento e é essencial para sua prática escolar, mas não é concebida como
única forma de acesso à cultura e de participação social visto que o
não-alfabetizado também se comunica, tem acesso á informação, expressa e
defende pontos de vista e visões de mundo e, produz conhecimento. Como foi traçado por
Paulo Freire (mesmo não ciente da terminologia Letramento em seu sentido
contemporâneo), “é preciso potencializar cidadãos para lidar com estruturas de
poder na sociedade” - empowerment through
literacy. Depreende-se a partir daí, que é possível ser letrado sem saber
ler e escrever. É possível ter acesso à mídia, tecnologia e burocracia, por
exemplo, sem dominar a mecânica do Sistema de Escrita Alfabético.
A autora concebe junto aos outros articulistas que a escola é um dos espaços
das práticas de letramento porque se encarrega de introduzir formalmente os
sujeitos no mundo da escrita. Ela assume posicionamento que diferencia
Letramento e Alfabetização, porém instiga a refletir acerca dos fatores que distancia
a escola de práticas reais de letramento para além dos muros da escola, a qual privilegia
o “modelo autônomo”; que é neutro, neoliberal, reprodutor do status quo da condição de pobreza e
analfabetismo (proposta imbuída de preconceito, já que, cria-se a expectativa
de que a alfabetização tornará o sujeito preparado para ascender socialmente) em
detrimento do “modelo ideológico” que tem inspiração Paulo-freireana, que é
revolucionário, na medida em que corrobora para o resgate da autoestima e
empoderamento dos agentes sociais em sua cultura local levando em conta os
letramentos múltiplos valorizados ou não. O primeiro, vale salientar,
sustenta-se no modelo equivocado, conforme diz Street (1984), porque fragmenta
e reduz os diferentes significados do letramento.
Na segunda parte, em consonância com os letramentos múltiplos, discute-se
acerca do papel da oralidade para tornar a escrita significativa para crianças
de meios supostamente iletrados as quais possuem uma orientação própria de
letramento advindos de experiências sócio culturais de sua comunidade.
A terceira parte intitulada, Verso e reverso do analfabetismo aponta para a ideologia do letramento na
mídia. Os artigos “Analfabetismo na mídia: conceitos e imagens sobre o
letramento”, de Maria de Lourdes Martêncio, e “Ação política: fator de
constituição do letramento do analfabeto adulto” de Ivani Ratto apresentam,
respectivamente, o olhar da mídia no ano internacional da Alfabetização e seus reflexos
na constituição da identidade do “não-escolarizado”. Um veicula um discurso de
apagamento de conflito ideológico, a fim de manter a relação de poder
entre letrados em maior e menor grau trazendo a visão
da Educação e da formação do cidadão por meio da escrita como “salvadoras” dos
problemas sociais, omitindo os reais motivos que levam á taxa do analfabetismo,
“vendendo” o discurso do projeto do governo como solução e reafirmando uma
imagem pejorativa do analfabetismo; E o outro, é um convite a analisar
seu reverso, evidenciando a necessidade de se perceber a inconsciência do discurso
do valor do letramento no analfabeto despindo-se do olhar ingênuo imbuído do
estigma de “sujeito menor” apregoado por diferentes esferas. Propõe, portanto,
á analise crítica dos reflexos do interdiscurso das propagandas com seu discurso
histórico que procura levar o analfabeto á auto destituir reafirmando os
valores dos “letrados”.
A obra destina-se aos envolvidos no
ensino da escrita assim como também aos grupos que, inseridos nessa sociedade tecnológica e
industrializada em que a escrita é onipresente, consegue ter acesso a ela
transcendendo o domínio de seu código linguístico através de sua inserção na
vida social por meio dos diferentes Letramentos, levando portanto em conta seus
significados e práticas sociais e culturais.
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¹ Licenciada em Letras pela Faculdade de Tecnologia e
Ciências, aluna especial do Programa Mestrado Profissional em Educação e
Diversidade – MPED, UNEB - Campus XIV.
2 Licenciada em Letras pela Universidade do Estado
da Bahia, aluna especial do Programa Mestrado Profissional em Educação e
Diversidade – MPED, UNEB - Campus XIV.
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