Resenha - Multiletramentos na Escola - Heráclito Xavier
RESENHA
Heráclito Santos Martins Xavier*
*Mestrando em Mestrado Profissional em
Educação e Diversidade – UNEB
Orientadora: Obdália Ferraz
ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo (Org.).
Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
Roxane Rojo é doutora em
linguística aplicada ao ensino de línguas pela PUC-SP, professora de pós-graduação
em linguística aplicada do IEL/UNICAMP, onde é chefe do Departamento de Linguística
Aplicada (DLA). Fez pós-doutoramento na Universidade de Genebra, na Faculdade
de Psicologia e Ciências da Educação, setor de Didática de Línguas. Pela
Parábola Editorial, publicou Falando ao pé da letra: a construção da narrativa
e do letramento; Letramentos Múltiplos, escola e inclusão social; organizou
Multiletramentos na escola (com Eduardo Moura) e Escol@ conectada, além de diversos
outros livros. É pesquisadora do CEALE/UFMG, onde desenvolve a pesquisa
integrada UNICAMP/EALE-UFMG/UFPE O livro didático de língua portuguesa no
ensino fundamental: produção, perfil e circulação (Grupo de Pesquisa CNPq “LDP-Properfil”).
Eduardo de Moura Almeida foi orientando
de Roxane Rojo no curso de mestrado em linguística aplicada no IEL/UNICAMP,
formado em arte e cultura fotográfica pela Faculdade SENAC, licenciado em
letras português/francês pela PUC-SP.
Abordar a diversidade cultural
e a diversidade de linguagens na escola sob a ótica do plurilinguismo, da multissemiose
e do pluralismo cultural requer refletir sobre uma pedagogia dos
multiletramentos.
O conceito de multiletramentos
guia o olhar para dois caminhos específicos de multiplicidades presentes na
sociedade contemporânea: a multiplicidade cultural das comunidades e sociedade,
como um todo, e a multiplicidade semiótica de constituição e construção dos
textos por meio dos quais essa sociedade se informa, comunica e cria. Qualquer quer
seja o sentido a que o termo “multiletramentos” aponte — seja da diversidade
cultural de produção de textos e circulação ou diversidade de linguagens que os
constituem —, as pesquisas mostram quase que unanimemente algumas características
comuns destes textos produzidos no contexto dos multiletramentos: são
interativos, colaborativos. Fraturam e transgridem as relações de poder
estabelecidas, especialmente as relações de propriedades. Eles são híbridos,
fronteiriços, mestiços, sobretudo de linguagens, modos, mídias e culturas.
O livro resenhado é uma
coletânea organizada por Roxane Rojo e Eduardo Moura, resultado de três cursos
ministrados em 2010 em duas disciplinas regulares de pós-graduação no
IEL/UNICAMP sobre o estudo dos letramentos e da leitura e um minicurso de verão
sobre Multiletramentos e ensino de língua portuguesa, para o Mestrado em
Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Foi proposto aos cursistas que
elaborassem trabalhos colaborativos que fossem fruto de experiências já
vivenciadas, embasados teoricamente na pedagogia dos multiletramentos,
abrangendo atividades de leitura crítica, análise e produção de textos
multissemióticos com foco nos aspectos multiculturais.
A coletânea está dividida em
duas partes: “Por uma educação estética”” e “Por uma educação ética e crítica”.
Na primeira parte, os autores enfatizam em suas propostas análises críticas e estéticas
das linguagens em suas práticas e objetivos de ensino. Na segunda parte, ressaltam-se
temas que trazem como foco os valores, buscando-se uma ética crítica para a
análise dos textos e enunciados.
No capítulo 1, “Pedagogia dos
multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola”, Rojo (2012),
introduz as concepções básicas da pedagogia dos multiletramentos do Grupo de
Nova Londres, GNL (1996), descrevendo as suas principais características, refletindo,
ao mesmo tempo, como funcionam os multiletramentos e questionando “Por que uma
pedagogia dos multiletramentos?”. “Como fazer uma pedagogia dos
multiletramentos”?
No capítulo 2, “Blog nos anos
iniciais do fundamental I: a reconstrução de sentido de um clássico infantil”,
Lorenzi & Pádua (2012), tratam da alfabetização em multiletramentos,
procurando observar como ocorre o processo de inserção das tecnologias nas
atividades das séries iniciais, envolvendo a multimodalidade nos novos
letramentos a partir dos pressupostos enunciativos-discursivos. Para isso, foi
proposta uma sequência didática em que os alunos tiveram acesso a diversos contos.
Posteriormente a turma escolheu um conto que seria trabalhado na sequência.
Diversas estratégias foram utilizadas para que os alunos, de posse de vários
recursos semióticos e multimodais, produzissem um blog com o conto escolhido. O
produto final da sequência didática foi um fotoblog com as imagens e o conto
reescrito pelas crianças.
No capítulo 3, “Chapeuzinho Vermelho
na cibercultura: por uma educação linguística com multiletramentos”, Teixeira &
Moura (2012), as autoras escolhem o vídeo digital como objeto de ensino em
língua portuguesa a partir da análise da videoanimação digital da ilustradora e
escritora Ângela Lago, La Interminable Caperocita. Na sequência didática desse
capítulo é proposto aos alunos que assistam a vários vídeos, envolvendo paródias,
contos de fadas. A partir dos vídeos são levantados vários questionamentos.
Depois são mostrados vídeos na modalidade “vídeo de uma só tomada”. Essa
técnica de filmagem é analisada a partir de vários vídeos do you tube. Depois
são apresentados os passos para se construir vídeos de uma só tomada para que
os alunos produzam e compartilhem na rede.
No capítulo 4, “Minicontos
multimodais: reescrevendo imagens cotidianas”, Dias et al (2012), ao tratar de
gêneros discursivos sob a perspectiva da multimodalidade, propõe uma sequência
didática com o gênero Minicontos, em que os alunos são levados a conhecer o respectivo
gênero a partir de vários textos, tanto impressos quanto digitais. Depois de refletir,
debater e conhecer mais claramente o gênero, os estudantes são convidados a construir
um miniconto multimodal a partir do tema “Cotidiano”. O processo de criação é
livre, mas eles devem levar em conta os aspectos multimodais da produção,
incluindo imagem, som, animação, dentre outros recursos, todos reunidos numa só
produção que se constituísse num miniconto que refletisse as características
acima referidas.
No capítulo 5, “Hipercontos
multissemióticos: para a promoção dos multiletramentos”, Dias (2012) propõe o
desenvolvimento desse gênero discursivo, levando em conta a hibridização e os
recursos multissemióticos, tais como jogos de computador, artes digitais,
desenhos gráficos, animações e demais recursos midiáticos, ampliando a
interação homem e conteúdo, homem e narrativa, homem e hipertexto. No cerne do
desenvolvimento da sequência didática proposta pela autora está a recepção de
dois gêneros digitais e multimodais, a escrita de um hiperconto e a sua produção
em um podcast. No primeiro momento os alunos são levados a conhecer o
hiperconto “Um estudo em vermelho” e “desfocado”, disponíveis na internet. A
partir da análise desses hipercontos são propostos vários questionamentos para
se refletir sobre o respectivo gênero. Depois os alunos escolhem um tema para a
produção escrita de um hiperconto multimodal (seleção de imagens, sons, vídeos,
cores, para compor a narrativa). Logo após eles organizam o hiperconto (no
Movie Maker) para a produção de um podcast e posterior publicação do texto
final na internet.
No capítulo 6, “Projeto Arte:
uma proposta didática”, Garcia, Silva e Felício (2012) propõem um protótipo
didático, cujo propósito é levar os estudantes à leitura, à analise e a
produção textual de maneira crítica, a partir do conhecimento de diversos objetos
culturais e artísticos (músicas, obras de arte, filmes, documentários etc.) que
promovam o processo de criação relacionado também a valores éticos. O protótipo
foi divido em três etapas: a) intolerâncias visíveis; b) intolerâncias (in)visíveis;
c) intolerâncias intoleráveis. As três etapas se constituem de orientações que
justificam e apresentam as atividades, os comentários para os professores, as
teorias que embasaram o protótipo e os encaminhamentos e sugestões de como
conduzir os trabalhos com os alunos.
No capítulo 7, “Gêneros
poéticos em interface com gêneros multimodais”, Melo, Oliveira e Valezi (2012)
propõem uma sequência didática dividida em seis módulos, centrados no poema “A
rosa de Hiroshima”, de Vinícius de Moraes. No 1° módulo é feito a socialização
do projeto entre alunos e professores; no 2° módulo é feita uma atividade interdisciplinar
de construção do contexto histórico do poema; no 3° módulo é feita a análise
das características estruturais, estilísticas e temáticas do poema; no 4°
módulo, é feita a apresentação e análise dos videoclipes sobre o poema “Rosa de
Hiroshima”; no 5° módulo é apresentada a proposta para a produção dos próprios videoclipes
e no 6° módulo é feita a divulgação dos videoclipes num evento
artístico-literário.
No capítulo 8, “O Manguebeat
nas aulas de português: videoclipe e movimento cultural em rede”, Teixeira
& Litron (2012), propõem um projeto didático que é um movimento musical que
tematiza a relação entre a cultura local de Recife e a cultura de massa,
concebido com um híbrido de sons, instrumentos, ritmos e danças. O projeto se
divide em três etapas: a) o mangue e a cidade; b) o mangue e a rede; c) o
mangue e a tradição. Para cada etapa é apresentado um texto central e
atividades que se organizam em “antes, durante e depois” da leitura de cada
texto.
No capítulo 9, “A Canção Roda
Viva: da leitura às leituras”, Pasquotte-Vieira, Silva e Alencar (2012) sugerem
um protótipo didático multimídia e multimodal, a partir da regravação em ritmo
drum’n’bass (música eletrônica) da música Roda-viva em 2005, por Chico Buarque
(originalmente gravada em 1967) e Fernanda Porto que faz parte da trilha sonora
do filme Cabra Cega, dirigida por Toni Venturi. As atividades de leitura do
videoclipe de 2005 e do vídeo de 1967 são orientados de modo que os alunos
percebam as características dos momentos históricos em que cada um foi
produzido. Os materiais didáticos e links necessários encontram-se todos
disponíveis gratuitamente no site da editora para download e desenvolvimento do
protótipo didático.
No capítulo 10, “Documentário
e Pichação: a escrita na rua como produção multissemiótica”, Custódio (2012)
tem como sugestão de sequência didática, a produção de um documentário.
Primeiramente parte-se da análise do documentário “A letra e o muro” que enfoca
lugares da cidade significativos para a prática da pichação. O documentário
opõe dois grupos de pessoas, pichadores e não pichadores. E importante que assistam
ao documentário para entenderem o gênero. Posteriormente abre-se a SD com
imagens (pinturas rupestres, hieróglifos, propagandas, pichação, fusão de
pichação e grafite etc.) para permitir a leitura das semioses constituintes de
cada fotografia desse material. Em seguida, procede-se as etapas prévias da produção
do documentário, que compreendem textos escritos, quais sejam: a proposta, a pesquisa, o argumento e o
tratamento. Cada uma dessas etapas está bem referenciada e esclarecida no
capítulo em questão. Terminadas as etapas da escrita, a autora propõe que os
alunos partam para o trabalho prático em que precisarão de câmaras fotográficas
e de filmagem para edição das imagens capturadas por intermédio de programas
como o Movie Maker. Ao final, é importante que essas produções tenham
circulação na rede ou na própria comunidade.
No capítulo 11, “As múltiplas
faces do Brasil em Curta Metragem: a construção do protagonismo juvenil”,
Miguel et al. (2012), tem como objetivo principal despertar nos alunos a
compreensão responsiva do lugar social amplo e imediato em que vivem. Os
autores optam por focalizar a visão de “Brasil imperialista”, traçando como
recorte as imagens hegemônicas construídas de um país como nação de grandezas e
das riquezas naturais e culturais e das identidades multifacetadas e cordiais.
A sequência didática parte de três textos: o primeiro é “aquarela do brasil”,
de Ary Barroso, gravada em 1939; o segundo é o curta-metragem de animação de
mesmo nome da música, produzido pela Walt Disney Production em 1940; a terceira
é a canção “Brasil”, composta por Cazuza, Nilo Romero e George Israel, em 1988.
Os alunos assistem aos vídeos, analisam imagens, contexto histórico, letras por
intermédio de uma série de sugestões que está na SD. Para produzir o curta
metragem ou documentário o professor propõe a construção de roteiros em grupos
com a temática “Os Brasis do meu bairro”. A partir da discussão, entendimento
da temática e elaboração do roteiro, os alunos partem para a captação de
imagens e, por fim, para a edição das imagens, textos e sons que formarão o
curta metragem.
No capítulo 12, “Radioblog:
vozes e espaços de atuação cultural”, Moura & Gribl (2012) propõem esse
protótipo destinado ao ensino de gêneros discursivos sob a perspectiva multimodal
e multissemiótica, tomando também como fundamento a teoria bakhtiniana. O protótipo
constitui-se das seguintes etapas: atividade 1 - Convite aos alunos à oficina
que será desenvolvida para esclarecer pontos importantes relativos ao contexto
de produção de um radioblog; atividade 2 – Comunidades, temas, atuações e
participantes; abordagem sobre os aspectos do contexto de produção das rádios independentes,
apontando as diferenças e as especificidades em comparação com a demais rádios;
atividade 3: O oficial e o Independente – essa atividade tem o o bjetivo de
trabalhar a necessidade de divulgar e fazer cirucalr informações culturais fora
da mídia oficial; atividade 4: Radioblog e radio comunitária – a partir da
atividade 3 aprofundar os objetivos da programação de uma rádio independente;
atividade 5: Contracultura e música – serão trabalhados alguns pontos
fundamentais da produção textual e imagética, que levarão os alunos à execução
do projeto final que é a produção de um podcast; atividade 6: Rádio + Blog –
essa atividade tem o objetivo de trabalhar outras possibilidades e recuros que compõem
um radioblog; atividade 7: Nosso Radioblog – criar um blog; Atividade 8 – Nosso
Radioblog: criar nossa play lista, nossas resenhas e nossa arte; Atividade 9 –
Nosso Radioblog: nosso documento em áudio – os alunos deverão partir do que já
foi desenvolvido na atividade 8 e criar podcasts para serem publicados no
radioblog. Atividade 10 – Avaliação – nossa produção e a oficina.
Os autores dos artigos
publicados nessa coletânea adotam a pedagogia dos multiletramentos como
principal caminho teórico em suas produções. A pedagogia dos multiletramentos teve
origem em um colóquio do Grupo de Nova Londres (1996), realizado em Connecticut
(EUA), gerando um manifesto chamado A
Pedagogy of Mutiliteracies – Designing Social Futures. Os autores da
coletânea, em sua maioria, também tratam de “gêneros discursivos”, termo esse que
se baseia na teoria da linguagem do russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), coincidindo
também com o quadro de referências teóricas do resenhista.
Essa obra tem um cuidadoso
rigor metodológico que explora vários aspectos do fenômeno a que se propõe estudar,
sem lapsos ou desvirtuamentos. Utiliza várias estratégias, protótipos e
sequências didáticas, suscitando práticas que elucidam o fenômeno em análise.
É uma obra de valor sem par,
pois aborda de forma pragmática aspectos dos multiletramentos que podem ser
trabalhados na sala de aula. A linguagem tem um estilo claro e simples, sendo
acessível a maioria dos leitores interessados na temática.
Essa obra representa especial
interesse para estudantes e pesquisadores da área de letras e da educação, de
um modo geral, que desejem utilizar-se da práxis pedagógica como meio de desenvolvimento
da profissionalidade docente. Pode ser utilizado tanto na graduação quanto na
pós-graduação e, principalmente, como material de apoio pedagógico no
planejamento das aulas, especialmente, no campo da linguagem.
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